Com maioria formada, STF retoma julgamento sobre plataformas digitais

Na quarta-feira (11), a Corte formou maioria a favor da responsabilização das big techs por publicações feitas por terceiros

João Rosa e Davi Vittorazzi, da CNN
Sessão do STF sobre o Marco Civil da Internet  • Fellipe Sampaio/STF
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O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quinta-feira (12) o julgamento que pode redefinir a forma como as plataformas digitais e empresas de tecnologia são responsabilizadas por conteúdos ilícitos publicados por seus usuários.

Na última quarta-feira (11), a Corte formou maioria a favor da responsabilização das plataformas por publicações feitas por terceiros. No entanto, os ministros ainda precisam definir a tese do julgamento — um resumo que orientará a aplicação prática da decisão.

O placar está em 6 a 1 no sentido de responsabilizar as plataformas. Votaram nesse sentido os ministros: Dias Toffoli, Luiz Fux, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. O ministro André Mendonça foi o único que divergiu até o momento.

Nesta quinta, a Corte vai retomar o julgamento com o voto dos ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e Cármen Lúcia.

Apesar da maioria já formada, o julgamento não deve ser concluído nesta semana. Isso porque, embora concordem com a responsabilização das plataformas, os ministros apresentaram fundamentos diferentes em seus votos.

De acordo com Barroso, nesta fase serão apenas colhidas as teses dos ministros. As divergências entre elas serão debatidas em um momento posterior, antes da conclusão definitiva do julgamento.

O caso

Atualmente, a atuação das redes no Brasil é regida pelo Marco Civil da Internet, em vigor desde 2014, cujo artigo 19 só permite responsabilização jurídica das empresas em caso de descumprimento de ordem judicial para remoção de conteúdo.

A análise gira em torno da constitucionalidade do artigo 19. Os ministros analisam dois recursos sobre a validade do artigo. O julgamento tem repercussão geral, ou seja, torna o entendimento da Corte obrigatório para todas as instâncias do Judiciário em processos semelhantes.

Os magistrados analisam o Recurso Extraordinário (RE) 1037396, relatado pelo ministro Dias Toffoli. No caso concreto, o Facebook questiona uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que determinou a exclusão de um perfil falso na rede social.

Em outro recurso (RE 1057258), relatado pelo ministro Luiz Fux, o Google tenta reverter uma decisão, determinada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a pagar danos morais por não excluir uma comunidade do Orkut criada por alunos para ofender uma professora.

Votos dos ministros

Dias Toffoli

Relator de um dos recursos, Toffoli considerou que o modelo atual oferece imunidade às plataformas e deve ser considerado inconstitucional.

O ministro apresentou a proposta de que a responsabilização considere o artigo 21 do Marco, que prevê que o conteúdo deve ser retirado a partir da simples notificação do usuário.

Toffoli também defendeu que as plataformas retirem do ar publicações que apontam situações graves mesmo sem ser notificada extrajudicialmente.

Luiz Fux

O ministro Fux, que é o relator do outro recurso, votou a favor de que as empresas sejam obrigadas a remover conteúdos ofensivos à honra ou à imagem e à privacidade que caracterizem crimes (injúria, calúnia e difamação) assim que forem notificadas, e o material só poderá ser republicado com autorização judicial.

Fux defende que as plataformas façam monitoramento ativo e retirem conteúdos do ar, sem a necessidade de notificação dos usuários, em casos de discurso de ódio, racismo, pedofilia, incitação à violência e apologia à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e ao golpe de Estado.

Luís Roberto Barroso

Em uma linha mais intermediária, Barroso apontou que a regra do Marco Civil sobre a responsabilização das plataformas digitais por conteúdos de terceiros não dá proteção suficiente a direitos fundamentais.

Para o presidente da Corte, se a plataforma for notificada de algo que representa crime, como a criação de um perfil falso, a retirada do conteúdo deve ser imediata.

André Mendonça

Mendonça foi o único ministro que divergiu até o momento. O ministro votou pela constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet. Para ele, plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por publicação de terceiros se descumprirem ordem judicial de remoção de conteúdo.

O posicionamento do ministro é favorável às big techs, que se colocam contrárias a alterações no artigo que possam aumentar sua responsabilização.

Flávio Dino

Dino votou para que as big techs sejam responsabilizadas por danos causados por usuários de suas plataformas. Apesar de ter acompanhado o entendimento dos outros ministros que votaram pela responsabilização das plataformas, Dino apresentou uma nova tese sobre o assunto. Sua tese apresenta três pontos centrais:

O provedor de aplicações de internet poderá ser responsabilizado civilmente, nos termos do art. 21 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros. Com ressalvas para os dispositivos específicos da legislação eleitoral.

As plataformas ainda poderão ser responsabilizadas em atos próprios, em casos de perfis anônimos e de anúncios que estejam em desacordo com a legislação vigente.

Falha sistêmica: nesta situação, os provedores de internet poderão ser responsabilizados civilmente nos termos do art. 14, § 1º, II, do Código de Defesa do Consumidor, pelos conteúdos criados por terceiros nos seguintes casos, em rol de casos de crimes contra crianças, induzimento ao suicídio, terrorismo e apologia a violência contra o Estado Democrático.

Cristiano Zanin

Ao votar, Zanin apontou que o artigo 19 do Marco Civil da Internet apresenta parcialmente inconstitucionalidade. "Os eminentes relatores [Toffoli e Fux] encontraram uma legislação deficiente", frisou.

O voto do ministro define que, em caso de conteúdo criminoso, a plataforma seria responsável por remover o conteúdo, sem a necessidade de decisão judicial. Apenas no caso de provedores neutros (quando não há impulsionamento), o artigo 19 seria aplicado. Em caso de dúvida sobre a licitude do conteúdo, não ocorreria a responsabilização imediata.

Gilmar Mendes

Mendes também votou no sentido de responsabilizar as big techs. Segundo o ministro, "embora o Artigo 19 tenha sido de inegável importância para a construção de uma internet plural [...], hoje esse dispositivo se mostra ultraado"

O ministro considerou que a legislação atual concede uma isenção absoluta para plataformas em relação à circulação de conteúdos. Ele apresentou uma tese que prevê a responsabilização das big techs por danos decorrentes da não remoção de conteúdo, caso seja notificada da ocorrência de conteúdo ilícito.